quarta-feira, outubro 29, 2003

Finally, the end!


Não me peçam descrições detalhadas sobre o que aconteceu, haja visto que mesmo agora, enquanto escrevo essas linhas, não compreendo o ocorrido. Sei apenas que, assim que concordei com a estranha condição de Racla, uma luz imensa tomou conta do lugar, uma tontura estranha me invadiu e me vi novamente ao piano, apresentando-me aos mascarados da festa de Racla. O estranho dejá vu chegava a nausear-me. Aguadava novamente o grito de Clara para então poder mudar o maldito desfecho daquela noite. Mas o grito não veio.
Intrigado, deixei por isso mesmo e agradeci aos deuses a nova chance. Ao final de meu número, fui ao fundo do palco encontrar meu amor e não acreditei em meus olhos. Clara devorava carne crua às dentadas, juntamente com os dois homenzarrões da perseguição. Tomado pela fúria e pelo desespero, apenas pensei em fugir. Mas, ao girar dos calcanhares, dei de cara com a responsável por tudo aquilo:
- Aonde você pensa que vai? Temos um trato, lembra-se?
- Eu estou me lixando para esse maldito trato! Clara! Vamos embora daqui!
Uma voz difrente, nefasta, respondeu-me:
- Por que meu querido? A Racla é tão amistosa e legal com a gente. Nós podemos até nos divertir bastante juntos...
Ao término dessa frase, Clara aproximou-e de Racla e a beijou. Tão apaixonadamente quanto me beijava em nossos momentos mais íntimos. Impossível manter a sanidade diante de ateradora visão! Aproveitando a distração de todos pus-me a correr em direção a multidão. Ledo erro.
Abria caminho pela multidão de mascarados, que não intervia em minha passagem, mas faziam pior. Mostravam-me seus rostos. Figuras cadavéricas, pedaços de carne faltante junto aos ossos, vermes atravessando buracos na pele do rosto; tudo isso ainda é nítido em minha memória. Quando finalmente chego à saída, duas mulheres abraçadas me esperam; ambas trajam máscaras iguais, aparentemente de cerâmica, brancas, para contrastar com o negrume unfinito de seus vestidos. Decido não forçar passagem:
- Por favor, eu preciso sair desse lugar. Ajudem-me!
- Mas é claro! Siga-nos.
- Irei aonde quiserem, mas mostrem-me seus rostos.
Ante meu pedido, caíram as máscaras e também minha sanidade me abandonou. Ambas tinham o rosto esguio, olhos vermelhos e dentes! Dentes afiados como as presas de um lobo! As estranhas figuras sibilavam para mim, me amendrontando ainda mais:
- Você não ouse ssair do casstelo de Racla! Ninguém deixa essse lugar vivo! Você vai sse tronar um de nóss asssim como ssua linda noivinha.
Uma estranha força dominou-me e voltei a correr, por entre a multidão que limitava-se a rir, freneticamente, hipnotizando-me e me deixando ainda mais perdido. Então, milagroamente, uma porta. Arrombei-a e pude sentir o ar da noite.
Corri até meu carro, pensando apenas em salvar minha vida e dirigi, sem olhar para trás, até o lugar onde antes havia capotado. Ao chegar lá, deparo-me com o mesmo Buick preto, trancando a pista e me esperando.
Desço, resignado, mas escondendo em minha manga um revólver, com o qual esparava defender-me. Os canibais imobilizaram-me e me levaram até perto do carro, onde Racla e Clara me esperavam:
- Você sabe que é meu, Pianista. Ninguém foge de mim.
Ao dizer isso, Racla lambia meu rosto, causando-me náuseas.
Tomei então da arma e disparei, dois tiros certeiros em Racla, que tombou. Seus homens, atônitos, não foram rápidos o suficiente para evitar que eu rolasse barranco abaixo. Ouvi apenas o grito inumano que brotava da garganta de minha outrora doce Clara.
Agora, escondido, relato a quem encontrar essa carta o meu trágico destino. Que Deus apiede-se de mim.
- Olá, meu amor. Eu sabia que iria encontrar-te.
- Eu também. Ou você achou que se livraria assim tão facilmente de mim?
- Como você pode estar viva?
- Não tente compreender, apenas aceite seu detino. Clara, faça as honras...
- Não Clara! Lembre-se de mim, por favor, pare!
- Você prometeu cumprir a ordem dela, agora pague o preço! dê-me sua mão.
- Esta pedra deve servir. Aqui vai!
- AAAAAAAAAAAAAAAAAAA!!!!!! Minha mão! Minha mão! Maldita! Mal... di.. t...
- Apagou! Agora, minha escolhida, mate tua fome e seja minha herdeira...
- Sim, meu amor...

sexta-feira, outubro 24, 2003

Part II


Nada havia me preparado para aquilo. Assim que ouvi os gritos de Clara, corri para o fundo do palco e vi; dois homens comiam o que pareciam ser pedaços de carne crua, arrancavam nacos enormes sem sequer se preocupar com quem estivesse por perto. Ante àquela estranha visão, vomitei a ponto de sujar toda minha roupa. Amparado por Clara, exclamei enquanto me recuperava:
- Vocês estão malucos? Isso é nojento! Aonde está Racla que não toma uma providência?
Imediatamente uma voz doce, porém de uma estranha força, respondeu-me:
- Mas eles estão apenas experimentando a carne para ver se está fresca; antes de servi-la a todos.
Atônito, não pude responder. Clara interviu em meu socorro:
- Deus mulher! Isso é inconcebível! Vamos embora daqui meu amor, por favor. Eu odiei este lugar desde que pisei aqui.
- Esqueça seu dinheiro Racla. Estou indo embora. Adieu!
Fomos ao meu carro e nos dirigiámos à nossa casa. Eu só queria saber de mudar de roupa e da minha cama. Nem mesmo as carícias de Clara em meu rosto conseguiam apagar aquela lembrança nauseante. Seguíamos normalmente nosso caminho quando Clara me diz, surpresa:
- Meu Anjo, estão nos seguindo.
Uma olhadela e a constatação. Os dois "canibais" nos seguiam a uma distância razoável. Pisei fundo para tentar despistá-los. O Buick preto que me seguia também acelerou e iniciamos um "racha" digno de filmes de ação. Porém, num microssegundo de distração, errei um tempo de freada e as consequências foram desastrosas. Um choque com o guard rail e uma capotagem espetacular morro abaixo. Milagrosamente sobrevivi e consegui retirar minha amada, inconsciente, do carro antes que esse explodisse. Os dois homens do Buick pararam e apenas me observavam da estrada.
Recuperado do susto, voltei minha atenção ao meu Anjo. Morta. Apenas um pequeno corte aberto em sua testa, porém, nada de pulso, a vida a abandonara. Um grito gutural brotou e as lágrimas rolavam descontroladamente. Meu pranto só foi interrompido quando senti um toque macio em meu ombro. Racla:
- Você a quer de volta? Eu posso devolvê-la para você.
- É claro que isso tem um preço. O que você quer em troca?
- No momento, apenas que você toque em minha casa toda sexta à noite. Mas quando o tempo chegar, você deverá atender um pedido pedido sem questionar! Aceita?
Eu duvidava ser possível, então aceitei sem pestanejar. E uma vez mais tive uma surpresa maior ainda do que a anterior.

quarta-feira, outubro 22, 2003

Experiments - Parte I


Je vou salue, Marie, pleine de grâces, le Seigneur est avec, vous âtes benie entre toutes les fammes, et Jésu, le fruit de vos entrilles, est beni. Saite Marie, máre de Dieu, priez pour nous, pauvres pécheurs, maintenant et à l? heure de notre mort. Ainsi soit-il!
Essa oração, a única que sei, herdada de minha mãe, é hoje a única maneira que tenho de pedir a quem quer que me ouça nessa escuridão. Peço pelo descanso de sua alma, peço pela paz em meu coração e,mais ainda, peço à Virgem para que me perdoe pelos atos atrozes que cometi e que culminaram nessa maldita tragédia da qual posso considerar-me protagonista. A você, que encontrou esse escrito e não entedeu nada, começarei então a explicar tudo. Essa é minha confissão e também a carta de um homem que se deixou dominar pelo desespero.
Tudo começou em uma linda noite, onde eu apresentava um recital de piano para seletos convidados, todos abastados o suficiente para bancarem minha viagem ao Concurso Chopin com uma única pescada em seus bolsos. Era esse meu objetivo ao me vender àqueles emplumados que nem sequer imaginavam o verdadeiro valor da arte. Doava um pouco de minha paixão em troca de alguns trocados; Deus! Como me sentia sujo! A única coisa que me impedia de abandonar tudo era minha amada Clara. Somente ela tinha o dom de me acalmar e me fazia perceber que aquilo era um mal necessário!
A noite correu como esperado e diversos cheques "voluntários" chegaram ao meu bolso. Menos mal, pois agora o mundo finalmente veria um verdadeiro intérprete em ação. Entediado, abracei minha querida e ia para casa, dispensando farta comida e diversas taças de prosseco, mas, assim que cheguei à porta um toque suave em meu ombro fez virar-me:
- Lindo! Absolutamente maravilhoso! Não há como descrever minhas sensações ao lhe ouvir tocando!
- Bom, se você gostou tanto assim de ouvir meu namorado, pode nos dar um donativo, para que ele possa correr mundo mostrando seu talento. Srta...?
- Racla! Racla Tozzuque! Ficarei feliz em patrocinar um homem tão talentoso, porém, como é meu bolso quem sentirá tenho uma pequena exigência a fazer.
- Pois diga! Será um prazer servir tão linda dama.
- Eu gostaria que você tocasse em uma festa em minha casa!
- Sinto muito, mas meu repertório é exclusivamente erudito!
- Pois é exatamente isso que eu quero que você toque.E por favor, traga sua agaradável namorada também. Eis meu endereço! Estará tudo preparado para sua apresentação, amanhã mesmo!
E à noite fomos, eu e minha Clara, até o endereço determinado. Um castelo, de proporções colossais, localizado nos limites da cidade. Fomos levados pelo pelo porteiro e realizei ser aquele um baile de máscaras, onde todos vestiam-se com a elegância da renascença. Subi ao palco e sob aplausos colorosos pus-me a executar as mais belas valsas de Strauss, muito de Mozart e, é claro, Chopin, minha especialidade.
As coisas não podiam ser mais perfeitas, até o momento em que percebi que minha Clara havia sumido. Não me preocupei de imediato, mas meu sangue gelou ao ouvir um grito estridente vindo detrás do palco. Abandonei meu piano e corri, apenas a tempo de ter uma das mais terríveis visões de minha vida.

terça-feira, outubro 21, 2003

Happy Birthday


E eis que hoje faço anos. Assim como você os faz e assim como nosso casamento também. Por um estranho capricho do destino, nascemos no mesmo dia e na mesma hora. Lembro-me ainda do espanto mútuo gerado por essa estranha descoberta. Então, após um bom tempo de namoro, nos casamos; exatamente no dia de nosso aniversário. E hoje eu venho até aqui, apenas para recordar como o fim se deu.
Éramos felizes e tínhamos tudo que um casal poderia querer. Boa casa, bons empregos, dinheiro em quantidade suficiente para podermos viajar uma vez ao ano por até dois meses, ou mesmo para trocar de carro a cada dois anos. Éramos tidos como exemplo de prefeiçao matrimonal entre nossos amigos e muitos chegavam a declarar que invejavam nossa união estável e perfeita.
Mas a perfeição é a pior das armadilhas preparadas para o ser humano, e o deuses nos deram um excelente alerta para que não fôssemos vencidos por esse obstáculo que facilmente devora os desavisados e de mente pequena. Filhos, ou melhor, a ausência deles.
Por culpa de um mal genético em minha família não podíamos ser completos; e todo dia isso me era jogado com a força de facas lançadas contra meu coração. Minha amada declarava-se a mais infeliz de todas as criaturas, culpando-me sempre por essa desgraça. Por muitas vezes sugeri adoção, mas Glorianna tinha isso como fora de cogitação.
O tempo passou, e eu, não conseguindo suportar mais as agressões, refugiei-me no álccol. Tornei-me a mais vil de todas as formas de vida. Agressivo, respondão e desleixado. Não havia mais paz em meu lar.
Numa de minhas muitas bebedeiras, fui recebido aos tapas, e descontrolado, empurrei Glorianna com toda minha força. Na queda, seu pescoço chocou-se na quina da pia e instantaneamente a vida abandonou seu corpo. Em pânico, e sem poder reagir, entreguei-me à justiça a cumpri exatos treze anos de cadeia.
Há um mês estou livre e hoje, dia o nosso décimo terceiro aniversário, venho ao teu túmulo apenas para lhe entregar o que nunca pude lhe dar, uma vida, mesmo que seja a minha. Pois somente assim, teu espírito há de descansar e deixará de atormentar mesu sonhos.

quinta-feira, outubro 16, 2003

Scrivimi


Nada como mais um dia na livraria para acalmar os meus ânimos. As palavras desenhadas nas grandes obras tendem a me satisfazer como uma droga da qual é impossível escapar. Leio tudo o que encontro pela frente, de bulas de remédio a instruções de aparelho domésticos.
Volto pra casa após ter incomodado o dono da livraria com meu enorme pedido de livros mensal. Saio, satisfeito por abastecer-me de cultura e sigo distraidamente meu caminho, até ser interpelado por um estranho velho, de barbas longas e que trajava ropas puídas e malcheirosas:
- Por favor, uma ajuda para um necessitado!
Tomei de algumas moedas e as entreguei, sem nem mesmo olhar para aquela estranha figura. Sua reação foi muito inusitada:
- Eu sabia que o senhor era uma alma boa, por favor, aceite esse presente!
E entregou-me um estranho livro, com uma capa já velha, comida por traças e com letras em dourado, nas quais se lia com dificuldade o título da estranha obra: Milagres. Não conhecia a obra e muito menos podia imaginar seu autor; e como não me era possível identificar quem escreveu resolvi perguntar ao velho. Inutilmente, pois ele já havia sumido de minhas vistas.
Levei o estranho livro para casa e ajeitei-me em meu sofá favorito para devorá-la. Mas qual não foi miha surpresa ao perceber que havia apenas uma única frase escrita no livro e que muitas folhas anteriores àquela estavam rasgadas. A palavra Socorro, grafada em letras tremidas tinha um estranho poder sobre mim, causava-me arrepios. Decidi largar a obra de lado e retomar minha vida.
Passou o tempo e nem me lembrava do estranho livro, até encontrar novemente com o velho, interpelei-o e apenas ouvi um murmurado: Escreva... e o velho caiu aos meus pés. Com o coração na boca, apenas pude correr, e o verbo escrever pairava nas áreas desertas de minha mente.
Chego em casa e corro em direção ao livro; a voz do velho ainda ecoa em minha mente. Sento-me defronte ao livro, pego um lápis e escrevo:
Era uma vez...
As palavras desaparecem tão logo escritas e fico sem entender nada; mas, teimoso como sempre decido continuar e começo a escrever coisas vagas:
Esperança, dor, medo, tudo é escrito e desaparece; mudo o parâmetro:
Carro.
Um brilho estranho me cega e, qual minha surpresa ao olhar para minha garagem e ver que lá está um carro, não novo, mas um carro. Me empolgo e começo a "pedir" de tudo. Casa nova, piscina e tudo o mais, sendo sempre bem descritivo, pois, se o livro não "entendesse" o pedido, nada eu recebia. Continuei até não haver nada que eu quisesse naquele momento, tranquei o livro em um cofre e fui me deitar, pensando nas maravilhas conquistadas com meu novo brinquedo. A noite, um estranho sonho povoa a minha mente:
- O Preço!!! Muito cuidado com o Preço!!!
De sobressalto, acordo ainda com a imagem do velho a me sacudir e a gritar. Suando frio, vou ao chuveiro e deixo que a água me acalme. Após a toilette vou ao meu escritório e me sento para novos pedidos. Assim passo o dia e, mesmo querendo ainda mais, vou dormir sentindo-me o rei do mundo.
Uma vez mais, o mesmo sonho.
Manhã! Como um monstro de olhos verdes, corro para pedir, pedir e pedir; escrever, escrever e escrever. Nada me satisfaz, queri cada vez mais. Preciso preencher o livro todo. Não vejo as horas passarem e desabo sobre o livro, vencido pelo cansaço.
E durmo apenas para sonhar o mesmo sonho...
Então acordo, dolorido e percebo que meu livro não está comigo. Ouço risadas e barulho de papel rasgando! Em desespero, corro até minha sala e vejo uma figura pequena, de vivos olhos vermelhos, pernas estranhas e UM RABO! A estranha criatura rasgava as páginas de meu livro uma a uma e eu, atônito, apenas observava meus bens desaparecendo e via minha residência tomando sua velha forma. Com o que me restava de forças, venci o pânico e gritei!
- CHEGA! Pare com isso agora! Esse livro é meu!
O estranho ser apenas riu e disse, com uma voz quase sibilada:
- Você quer issso?? SSe quer, pague o Preço!
- Eu pago, pago qualquer coisa!
- Que asssim sseja!
Ao término dessas palavras, senti um calor envolvendo meu corpo e uma tontura absurda. Meus olhos não conseguiam divisar se eu estava voando ou se era apenas tontura. Quando o estranho fenômeno cessou, desmaiei, e, ao acordar, vi que em minha mão havia uma estranha marca, como um selo, em um formato que defino apenas como indecifrável. Na parede de meu ecritório, uma mensagem, escrita com fogo:
Você tem cinco dias, aproveite-os bem!
Sem saber o que fazer, desperdicei quatro dias, e agora, ao final do quinto dia, termino minha história deixando esses escritos e esperando que meu destino se cumpra:
- Vamoss?
- Para onde?
- Minha casa! O lugar onde todos aqueles que acham o Livro devem ir!
E tomando a mão da estranha criatura, escrevo com o sangue que escorre de meu pulso a primeira palavra que surge à minha mente:
Fim

segunda-feira, outubro 06, 2003

Uma Homenagem


Lá vamos nós de novo. Outro dia, outra idéia, outro conto. Engraçado o quanto é fácil olhar para essa tela branca e transformar sequências de toques aleatórios em palavras, então em frases. Essas frases em textos e esses textos em livros que formam outras idéias na cabeça de outras pessoas. É quase como uma simbiose; eu sobrevivo transmitindo e meus fãs "sobrevivem" lendo as coisas que com tanto trabalho e suor escrevo.
Mas, como tudo sempre passa, as coisas mudaram. Meus livros não mais vendem, não me procuram, sequer sabem que eu existo. O pouco direito autoral que recebo me permite apenas não passar fome.
Uma editora grande me procura e me pede para que eu escreva algo novo, com a intenção de resssuscitar minha carreira. Reluto, mas as notas postas em minha mão e o ronco de meu estômago me fazem mudar de idéia.
No afã de receber e reencontrar a glória; escrevo uma porcaria sentimentalóide qualquer e entrego. A editora gosta, publica e eu torno a ganhar dinheiro. Compro casa nova, carro novo e abro vaga para empregadas. A fila é grande mas uma se destaca; morena, cabelos lisos e longos, soltos; um corpo escultural e olhos castanhos e vivos. Descarto as outras, pois pensar com a cabeça nunca foi meu forte. Em seu primeiro dia de trabalho Glória me diz:
- Sou sua maior fã. Adorei o seu livro!
A vida corria tranquila e eu, além de escrever, aproveitava a vida ao lado de minha empregada; a qual se podia denominar insaciável. Tudo o que eu escrevia passava pelo seu crivo.
Termino uma nova obra, tão idiota quanto a primeira, e prometo a mim mesmo voltar à velha forma. Dou o manuscrito finalizado à minha amante. Ela apenas sorri e me convida com um olhar:
- Vamos comemorar?
As coisas acontecem como sempre: loucas. Então sou vendado e amarrado, hábito já velho, e aguardo surpresas. Porém em instantes o prazer vira dor e somente consigo sentir pedaços de minha carne arrancados às dentadas. Em meio à dor insuportável apenas pergunto:
- Por quê?
- Você vendeu sua alma por dinheiro. Eu tenho todos os seus antigos livros; era a sua fã número um! Não acredito no que você vem escrevendo! Morra!
E, sentindo o aço penetrar minha pele, expirei...

quinta-feira, outubro 02, 2003

I fell in love with a girl


Noite alta, quase meia noite; hora perfeita para ir à caça. Me encanto com todos os preparativos necessários para se conquistar alguém. Saio de um banho de meia hora e começo minha produção; cremes, perfumes, loções; tudo é cuidadosamente aplicado em sua devida medida e proporção. Cada roupa é escolhida cuidadosamente para que nenhum detalhe esteja com status inferior à perfeição. Em todos esses preparativos consumo tempo suficiente para mudar de idéia e ficar em casa, assisitindo algo mais útil. Mas o desejo vence e, terminando tudo finalmente, vou à caça.
O lugar é o de sempre: Hell´s. Aqui sou um habitué e tenho minha mesa sempre reservada. Como a boate é badaladíssima a variedade de pessoas é impressionante; além de ser um excelente lugar para caçar. Vou à minha mesa, peço meu uísque de sempre e fico à espreita.
Muitos me conhecem e vêm me cumprimentar; outras, casos do passado, nem sequer me olham; e os garçons chamam-me pelo nome.
O tempo passa tão devagar que começo a querer partir tão logo termine meu terceiro copo. Então, como que atendendo ao meu chamado, ela aparece. Loira, alta, olhos claros, cabelos esvoaçantes e um vestido vermelho, longo, acariciando sua forma longilínea. Imediatamente chamo um garçom:
- Quem é essa?
- Ela é nova aqui doutor. Primeira vez.
- Veja o que ela bebe, põe um na minha conta e diga que quero conhecê-la.
- Sim senhor.
Em menos de quinze minutos já estamos a travar um animado diálogo. Conversamos sobre arte, música, filmes, bebidas e outras trivialidades. Então, com ar de enfado, ela diz:
- Esse lugar está chato. Que tal a gente ir a um lugar mais fresco?
- Só se for agora!
Fomos então em meu carro, vagando; pois ela dizia querer apenas rodar. Passamos por diversas ruas até cruzarmos os limites da cidade e nos aproximarmos de uma floresta, onde ela perguntou-me se eu não queria dar uma volta. Estacionei e caminhamos à luz da Lua até uma clareira, onde começamos a trocar beijos, carícias e coisas mais. Minhas mãos percorriam o corpo daquela linda desconhecida como se quisessem decorá-lo; os beijos eram trocados como se fossem sempre os últimos. Após um tempo, ouço-a sussurrar em meu ouvido:
- Quero te amar aqui.
Arrancamos nossas roupas e, com sofreguidão, eu a sentia dentro de mim; suas mãos me acariciavam e eu, de olhos fechados, só sabia aproveitar. Até que senti meu pescoço apertado e respirar tornava-se cada vez mais difícil. Abri os olhos e lhe vejo, como que transfigurada; me dar um sorriso, olhar pro céu e recitar as seguintes palavras:
- Em nome de minha tradição entrego aos deuses minha fertilidade!Que o fruto que nesse momento é concebido em meu ventre possa continuar a ser fiel às tradições assim como minha família sempre foi! E em sinal de minha promessa ofereço uma vida.
E foram as últimas palavras que ouvi, antes de perder a consciência...

quarta-feira, outubro 01, 2003

Save from the nothing I become


Sons, sensações, sentimentos, palavras. Não há como expressar a beleza de um acorde bem produzido, de um belo arpejo, de um compasso bem trabalhado. A música é algo de tão divino que é quase impossível descrever o turbilhão de coisas que se passam quando o som invade meus ouvidos e vidra meus tímpanos. Foi por isso que decidi estudar.
Rapidamente tornei-me um exímio violonista. Executava peças complicadíssimas de memória e conseguia repetir de ouvido quase qualquer obra, após ouvi-la duas ou três vezes. Minha vida se tornou música; era um sonho realizado. Nada atrapalhava minha felicidade e a única peça faltante apareceu exatamente da maneira que eu sonhara.
Eu realizava um recital, lotado. Então ela apareceu e ofereceu-me uma flor; jantamos, passamos a namorar e rapidamente nos casamos.
Nossa vida beirava a perfeição; eu tocava e ela me ouvia, sempre. Penélope costumava se declarar viciada em minhas composições; duas horas por dia, religiosamente, tocava um repertório somente para os ouvidos de meu amor. Deus, como era bom. Mas então sobreveio a desgraça! Amaldiçoo até hoje aquele dia.
Ia eu até uma cidade próxima me apresentar e meu Anjo ficara em casa. Mas, para me fazer um surpresa, ela resolveu dirigir até onde eu estava; não conseguindo manobrar dirieto sob a chuva fina Penélope chocou-se contra o guard rail e faleceu imediatamente! Seu corpo me foi entregue em um recipiente pouco maior que uma caixa de sapatos; nada pode descrever o horror que senti.
Decidi abandonar tudo; menos meu violão. Me atirei de cabeça na carreira e me pus a compor alucinadamente. Meu ritmo de trabalho era alucinante e minhas composições, antes tão alegres e vivas, agora eram tristes e escuras. Fui alvo de diversas críticas mas ainda tinha foraças para viver porque tocava.
O tempo passa, mas a dor não some. Em segredo eu mantinha um estranho e bizarro ritual: Todo sábado à noite eu pulava o muro do cemitério onde meu amor estava e tocava, por exatas duas horas, as músicas que ela mais amava em vida. Isso me afundava mas na dor, mas era inevitável.
E assim levei a minha vida até esse momento, o dia do meu 50º aniversário. Cá estou a frente de seu túmulo, executando tuas canções preferidas e pensando em seu nome, pedindo aos deuses para que possa ver-te uma última vez, pois sinto que a vida se esvai de meu corpo.
Com o que resta de minhas forças executo o último acorde. Viro-me para checar um barulho e me assusto com o que vejo ao me voltar:
- Shon, meu amor. Por todos esses anos eu te ouvi; por todo esse tempo roguei aos deuses que me deixassem olhar teu rosto. Agora fui atendida. Beija-me meu amor, beija-me para que eu me vá em paz.
Tomado de um misto de pânico e ansiedade dirigi-me a ela. Fechei meus olhos e toquei seus doces lábios com os meus; o sabor era exatamente o mesmo de antes e eu também sentia-me jovem como há muito. Naquele infinito espaço em que eu era feliz, decidi abrir meus olhos e olhar-te uma última vez. Deus, não devia ter feito aquilo! Tua carne, despregada da face, deixava vermes à mostra; tuas mãos, outrora delicadas, eram nada menos do que ossos a tocar meu rosto; não havia mais nas órbitas os teus lindo olhos. Em desepero tentei livrar-me. Em vão. Não havia em mim forças para me livrar de teu macabro abraço. Sentia pedaços de meu rosto serem devorados pelos vermes que não mais te queriam. Tomado pela dor, expirei.
Agora, por piedade dos deuses, tenho direito a duas horas por semana para tocar, onde atraio desavisados para aplacar os vermes que devoram a minha pouca carne.